quarta-feira, 11 de julho de 2012

Lúcia

Benditas as voltas que damos nos arredores do mundo.E estúpidos os olhares de desejo dados aos velhos pecados.Tínhamos todos os caminhos bonitos,e só o errado nos fez certos.Daí que brincamos menos de sermos felizes e passamos a ter mais responsabilidade com os passarinhos que não cantavam na nossa frente.Crescemos Lúcia,e você envelheceu bem menos do que eu.Ficou bonita,e menina como ninguém jamais nascerá.Tudo o que enterramos voltou à tona num fá sustenido.E você não volta,Lúcia.

Preciso de um barulho mais nosso.De uma vida só minha,de mim.Estou inerte na vontade de ser mais ampla.Abrigada naquele aperto que se fez no seu abraço.Me alimentando de poucas palavras cuspidas do rádio,tomando chuva,bebendo estrelas,voando ao norte.


- Boa noite,Lúcia.Que houve com a porta dessa vez?
- Boa noite,Doutor.

O Narciso morrera de amor por si mesmo.Lúcia morrera pela falta desse amor.A loucura era como sua canção esquecida e empoeirada.Feita de silencio,em pó.

- Lúcia,por favor.O que houve com a porta dessa vez? A enfermeira me disse que você desenhou uma flor,com seu sangue.Já não lhe disse que é perigoso que você se corte?
- Ela está louca,Doutor.
- A enfermeira?
- Não.A porta.

O médico suspirou fundo como se tivesse trocado de alma naquele instante.Fechou os olhos,e os abriu,os fixou na menina magra,quase pálida e de cabelos embaraçados.Ela segurava umas das mãos que sangravam,e  olhava para os pingos de sangue que caíam no piso braco,seu pensamento era frio.

- O que a porta,fez à você ?
- Ela cantou que não haveria hoje depois de amanhã.Eternizou todos as palavras de Assis num veneno que ninguém consegue enxergar Doutor,só eu.Eu gritava para que ela parasse,mas ela ria de mim.E ria com uma crueldade... eu tive medo.Daí lembrei do que o Doutor me disse da outra vez,que sempre que eu tivesse medo deveria pensar no que eu mais gostava.Eu gosto muito de flores doutor.

E seu sangue pingava,sua vida pingava junto.Lúcia enlouqueceu no mesmo dia que eu.E nossa loucura nos fez entender que éramos mais sãs do que qualquer um.O homem se levantou andou até a cadeira na qual  Lúcia estava,agachou ao seu lado e levantou seu rosto com uma das mãos:

- Ouça Lúcia,toda vez que a porta lhe ofender feche os olhos e pense em todas as flores que existem.Tampe os ouvidos,e peça para que me chamem.Tudo bem?
- T-u-d-o-b-e-m.
- Bom.Agora,vou pedir à Marta que cuide desse sangramento.Promete que vai ser boa com ela?
Houve um suspiro,uma lágrima pesada e involuntária.Um desabafo mudo,um segredo silencioso.O olhar baixou,e cantou:
- P-r-o-m-e-t-o.




                                                                                           Elisama Oliveira

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